Mesclando tradição oral e música, a performance-instalação Tudo pra Mim é Viagem de Volta cria um mundo a partir das sonoridades dos equipamentos de gravação e reprodução construídos pela artista Podeserdesligado, idealizadora da iniciativa. O trabalho tem direção e dramaturgia de João Turchi e é inspirado na ficção de um continente submerso habitado pelos filhos de mulheres escravizadas que se lançaram ao mar durante as travessias.

“Eu queria falar de uma arte negra, mas longe do trauma. Para isso, me baseei no trabalho do duo de música eletrônica norte-americano Drexciya, que elaborou a mitologia de pessoas que pularam dos navios durante o período da escravidão. Elas criam um mundo subaquático e é através dele que viajam por fendas bidimensionais”, conta Podeserdesligado.

Em cena, a investigadora sonora vai construindo um continente submerso, habitado por seres que já não são mais humanos. O som é entendido na performance como um meio de transporte cósmico. Ele não só é a base para outros mundos possíveis, como também abre portais. Nas práticas negras de criação, ele funciona como uma tecnologia especulativa, uma ferramenta vibracional de produção de realidade, de tempo e de espaço.

Esse novo espaço é conceitual e apresenta uma realidade totalmente afastada do violento sistema escravocrata. O continente submerso mistura presente, passado e futuro. Fitas cassete, microfones, subwoofers, fios e inteligência artificial estão presentes na obra, reconstruindo uma história que, na verdade, nunca foi escrita.

O espetáculo é totalmente acessível. Gráficos, símbolos, espectrogramas e audiodescrição fazem parte da estrutura artística e dramatúrgica do trabalho, explorando outras linguagens e trazendo a materialidade e a visualidade do som para quem escuta de outra forma.