

A mulher arrastada
Texto: Diones Camargo
Direção: Adriane Mottola (RS)
Atuação: Celina Alcântara
Estreia: 2018
Atualizada em 10/07/2025
Sinopse
Rio de Janeiro, 2014. Cláudia Silva Ferreira – mulher negra, pobre, 38 anos, mãe de 4 filhos biológicos e 4 adotivos – é brutalmente alvejada pela Polícia Militar ao sair de casa no Morro da Congonha (RJ) para comprar pão pra sua família. Após, seu corpo é atirado às pressas no camburão da viatura e arrastado ainda com vida em meio ao tráfego da capital fluminense sob o olhar horrorizado de motoristas e pedestres. Entrelaçando fato verídico e ficcional, esta peça-manifesto mostra a figura trágica de Cláudia reivindicando o que durante a cobertura jornalística do caso foi aos poucos apagado: o seu nome, elemento este que foi substituído pela impessoal, violenta e cruel alcunha de “Mulher Arrastada”.
O espetáculo
Em A Mulher Arrastada, a atriz Celina Alcântara interpreta Cláudia. A preparação da atriz incluiu um mergulho na história da vítima, buscando compreender as nuances de sua vida e a brutalidade de sua morte. Sua atuação busca representar a realidade da violência sofrida, equilibrando a crueza dos fatos com a delicadeza da memória.
A cenografia, concebida por Zoé Degani, opta pelo minimalismo. Uma maca hospitalar e um cubo branco delimitam o espaço cênico, sugerindo a violência sofrida e a invisibilidade imposta. A maca, símbolo de cuidado, torna-se um palco da brutalidade. O cubo branco, um espaço de frieza e impessoalidade, representa a desumanização da vítima.
A iluminação de Ricardo Vivian intensifica a atmosfera da peça. Luzes e sombras criam um jogo visual que evoca a ambiguidade da realidade e a opressão da violência. A luz estroboscópica fragmenta a imagem, remetendo à desconstrução da identidade. As sombras projetadas sugerem a presença constante da impunidade.
A trilha sonora de Felipe Zancanaro completa a imersão cênica. Ruídos urbanos, como buzinas e tiros, invadem o espaço, transportando o espectador para o contexto de violência em que Cláudia foi morta. A trilha sonora não apenas acompanha a narrativa, mas também a tensiona, criando um ambiente de constante alerta e desconforto.
A interação entre elenco (que também conta com Pedro Nambuco no papel do “Homem”), cenografia, iluminação e trilha sonora resulta em uma experiência cênica que busca gerar reflexão sobre violência, racismo e impunidade.
Abismos da injustiça social na democracia brasileira
A Mulher Arrastada é um espetáculo-manifesto que teve sua primeira montagem em 2018 em Porto Alegre durante a Mostra Palco Giratório Sesc/RS. No mesmo ano, o trabalho recebeu os prêmios Braskem em Cena e o Prêmio Açorianos, ambos, de melhor espetáculo e de melhor atriz. Em seu currículo conta apresentações em 28 cidades diferentes pelo Brasil. O texto é de autoria do dramaturgo e roteirista Diones Camargo, encenação de Adriane Mottola (fundadora da Cia. Stravaganza) e a atuação é de Celina Alcântara (cofundadora do Grupo UTA – Usina do Trabalho do Ator) como Sombras, e do ator Pedro Nambuco como Homem.
A dramaturgia de Diones reflete um acontecimento brutal ocorrido no Rio de Janeiro. A vítima é Cláudia Silva Ferreira (Cacau), uma mulher negra e pobre de 38 anos, trabalhadora e casada desde os 18 anos, baleada na manhã de 16 de março de 2014 ao sair de casa para comprar pães para seus 8 filhos durante uma operação da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) no Morro da Congonha, em Madureira, na Zona Norte da cidade. Depois de alvejada, Claudia é depositada no porta-malas da viatura policial para, em seguida, ser arrastada por 300 metros pelo asfalto com o carro em movimento, apesar dos apelos dos moradores incrédulos que testemunhavam a cena.
Camargo reverbera o desastre social e denuncia a truculência adotada pela força policial militar sobre a população negra e pobre no Rio de Janeiro. A discussão sobre o tratamento dado aos corpos de mulheres nas favelas do Brasil pelo sistema policial brasileiro atravessa o texto e a montagem, expondo a perversa interseção de desigualdades de gênero, raça e classe que historicamente permeiam as estruturas sociais no país
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Sombras e Homem são os personagens de A Mulher Arrastada. A primeira evoca Claudia Silva Ferreira e todas as mulheres que engrossam as estatísticas de “mortes-sem-nomes”, vítimas de operações policiais. O Homem representa tanto o sistema bélico-predador que corrompe a polícia militar, quanto a própria construção oficial da impunidade, conforme está expresso na última frase proferida por esse personagem: Caso encerrado.
O espetáculo, apesar de não citar diretamente o nome de Cláudia, reclama o direito ao não-apagamento das vozes de mulheres negras vítimas do racismo estrutural e da violência policial em constante estado de normalização. Celina Alcântara, uma mulher negra, tem o seu próprio corpo como território da denúncia e de imagem viva de um corpo coletivo.
Infelizmente, apesar do bárbaro assassinato de Claudia Silva Ferreira pelo comando da polícia militar ter sido amplamente divulgado pela impressa, em 2024 – 10 anos após o incidente – sabemos que, dos policiais que transportavam Cláudia quando ela foi arrastada, dois deles já estavam, antes mesmo do caso, envolvidos em supostos tiroteios registrados como “autos de resistência”, recurso usado constantemente como mecanismo de apagamento das mortes e de produção de impunidades.
Segundo Mateus Almeida da Silva, pesquisador do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, em artigo publicado no site Nexo, seção Opinião:
Dez anos depois, vemos a outra ponta do projeto de extermínio da população negra, pobre e periférica brasileira: genocídio. Dez anos depois vemos que não foram apenas as mãos daqueles policiais que estavam cobertas com o sangue de Cláudia. Dez anos depois, Cláudia depois de morta e arrastada em via pública é mais uma vez violentada pelo Estado brasileiro, mas agora pelo sistema de justiça.
A montagem A Mulher Arrastada recorre a uma das inúmeras experiências reais de horror, de violência racista e de letalidade policial nas periferias do Brasil contemporâneo, para denunciá-la com um manifesto cênico-poético doloroso e imprescindível a uma sociedade que se quer democrática.
Sueli Araujo é pesquisadora e curadora do projeto O teatro e a democracia brasileira.
o projeto
vídeos
Palco Giratório 2019
Video do espetáculo
Prêmios
Prêmio Braskem em Cena 2018 – Melhor Espetáculo
Prêmio Braskem em Cena 2018 – Melhor Atriz
Prêmio RBS TV 2019 – Melhor Espetáculo
Prêmio Açorianos de Teatro 2019 – Melhor Espetáculo
Prêmio Açorianos de Teatro 2019 – Melhor Atriz
Prêmio Açorianos de Teatro 2019 – Melhor Iluminação
Prêmio Cenym de Teatro Nacional 2019 – Melhor Atriz
Prêmio Cenym de Teatro Nacional 2019 – Melhor Texto
Ficha técnica e artística
Texto: Diones Camargo
Direção: Adriane Mottola
Elenco: Celina Alcântara e Pedro Nambuco
Trilha Sonora Original: Felipe Zancanaro
Iluminação: Ricardo Vivian
Cenografia: Isabel Ramil (ambientação cênica) e Zoé Degani (objetos cenográficos)
Figurinos: criação coletiva
Fotos de divulgação: Regina Peduzzi Protskof
Identidade visual: Jéssica Barbosa
Realização: Diones Camargo e LA PhOTO Galeria e Espaço Cultural
Apoio: Cia. Stravaganza e UTA – Usina do Trabalho do Ator
Depoimentos
O livro
EDITORA COBOGÓ
Ficha técnica
Coleção Coleção Dramaturgia
Autor Diones Camargo
Idioma Português
Páginas 72 páginas
Editora Cobogó
ISBN 9786556910345
Capa Henrique Lago
Fotografias de capa Regina Peduzzi Protskofnata
Encadernação Brochura
Formato 13 x 19 cm
Ano 2021
bios
DIONES CAMARGO [TEXTO]
Dramaturgo e roteirista, é autor de cerca de 20 peças, entre elas Andy/Edie (Prêmio Funarte de Dramaturgia 2005), Último Andar (Bolsa Funarte de Estímulo à Dramaturgia 2007), Teresa e o Aquário (VIII Prêmio PalcoHabitasul – Melhor Roteiro), 9 Mentiras Sobre a Verdade, Hotel Fuck, Os Plagiários – Uma Adulteração Ficcional Sobre Nelson Rodrigues (Prêmio Açorianos de Teatro 2012 – Melhor Dramaturgia), F.R.A.M.E.S., Fassbinder – o Pior Tirano é o Amor, Parque de Diversões (Prêmio Açorianos de Teatro 2016 – Melhor Dramaturgia) e A Mulher Arrastada; dramaturgista dos espetáculos O MAPA_, Peru, NY e Buarqueanas. Seus textos já foram encenados por algumas das mais importantes companhias de teatro do RS e quatro deles também publicados e encenados no exterior (em Portugal, Cuba, Uruguai, Espanha e Singapura).
ADRIANE MOTTOLA [DIREÇÃO]
Mestre em Artes Cênicas pelo Departamento de Arte Dramática (DAD/UFRGS/2009), é ainda Bacharel Artes Cênicas – Habilitação em Interpretação Teatral, e em Comunicação Social, com Habilitação em Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, pela Famecos/PUC. Foi Professora Substituta no DAD/UFRGS em 2003/2004 e 2011/2012, onde lecionou as disciplinas de Direção, Interpretação e Improvisação Teatral. Lecionou ainda na FATO – Faculdade Monteiro Lobato, no Curso de Produção Cênica (2011/2013). Em 1988, ao lado de Luiz Henrique Palese e Cacá Corrêa, criou a Cia. Teatro di Stravaganza, que em 30 anos encenou 27 espetáculos teatrais, conquistou mais de 110 prêmios e, em abril de 2004, inaugurou sua sede própria – o Estúdio Stravaganza.
CELINA ALCÂNTARA [ATUAÇÃO]
Atriz, professora e diretora de Teatro. Como professora atua na Graduação em Teatro do Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes e no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, ambos, da UFRGS. É editora associada da Revista Brasileira de Estudos da Presença. Coordena os projetos: A criação Teatral como criação de si (pesquisa) e Ações performáticas afirmativas (extensão). Tem se dedicado, principalmente, a formação do ator trabalhando como os seguintes temas: criação, atuação, performance, voz, apresentação de espetáculo, relações étnico-raciais e cena negra.
Esta é a página de um espetáculo selecionado no âmbito do projeto O teatro e a democracia brasileira. As informações nela contidas são de responsabilidade de Adriane Mottola, excetuando-se o texto do curador do projeto, sendo esse de responsabilidade da Foco in Cena, proponente deste projeto. Caso encontre um erro ou divergência de dados, favor entrar em contato através do e-mail contato@focoincena.com.br

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