Trilhas da Cena

Banner preto com texto em branco e vermelho "O Teatro e a Democracia Brasileira Parte Um" e logotipos da Funarte, do Ministério da Cultura e do Governo Federal do Brasil, além de informações sobre o programa e o financiamento.
Banner promovendo um projeto de teatro com logotipos da Funarte, do Ministério da Cultura e do Governo Federal do Brasil. O texto diz: "O Teatro e a Democracia Brasileira Parte Um" e menciona o Programa Funarte Retomada 2023 - Teatro.

LUZIR É NEGRO

Teatro de Fronteira (PE)

Atuação: Marconi Bispo

Direção: Rodrigo Dourado

Estreia: 2016

Página atualizada em 21/11/2025

Foto: Rennan Peixe

Sinopse

Espetáculo autobiográfico performado pelo ator e cantor Marconi Bispo, dirigido por Rodrigo Dourado e produzido pelo grupo Teatro de Fronteira. Na peça, o grupo investiga o racismo e suas manifestações na vida de um homem negro, gay, candomblecista e periférico. Partimos de uma encruzilhada – elemento simbólico tão caro ao povo de santo: as memórias familiares de Marconi, as memórias de sua trajetória no teatro, suas memórias como filho-de-santo/praticante do candomblé e as memórias cravadas em textos teatrais sobre o negro e o debate público sobre as questões raciais contemporâneas. O que resultou numa dramaturgia que transita entre passado e presente muito recente, público e privado, ficção e realidade. Luz e escuridão.

Entre o Luzir e os Arrecifes de uma cidade

O espetáculo Luzir é negro é a sexta montagem do grupo Teatro de Fronteira, do Recife, dirigida por Rodrigo Dourado e tendo na atuação de Marconi Bispo o elemento disparador de sua poética da cena. A estreia acontece em 2016, dentro da programação do festival Outubro ou Nada, na sede do grupo O Poste. 

Foto: Rennan Peixe

Traçando uma dramaturgia documental a partir das memórias de um artista negro do Nordeste do Brasil, o solo de Marconi Bispo faz parte de uma certa tetralogia de solos do grupo Teatro de Fronteira, que traz uma cartografia político-afetiva da relação dos artistas da cena com a cidade. Complexo de cumbuca (solo de Rodrigo Cavalcanti), SoloDiva (espetáculo de Nelson Lafayette), Na beira (atuação de Plínio Maciel) e Luzir é negro foram ações artísticas deste grupo alicerçadas nas tensões entre as subjetividades dissidentes (um corpo gay, uma bicha artista periférica, um artista do interior do estado e uma bicha gay candomblecista, respectivamente) e os dispositivos controladores presentes no campo das sociabilidades de uma cidade encravada no patriarcado nordestino brasileiro. 

 

Estes solos trouxeram uma nova camada aos processos de criação do Teatro de Fronteira, redimensionaram as poéticas de seus integrantes, possibilitando investigações individuais no campo da dramaturgia atorial dos teatros do real. Marconi Bispo é um ator pernambucano com 30 anos de trabalhos teatrais (1995-2025) e Luzir é negro, por olhar seu repertório artístico e desdobrar fraturas nessa historiografia, foi um ponto de virada em sua trajetória. 

 

O Teatro de Fronteira surgiu no cenário teatral do Recife em 2010 com Chat, texto do venezuelano Gustavo Ott e direção de Rodrigo Dourado, pesquisador e artista fundador deste grupo teatral. Já em seu primeiro trabalho, o Fronteira deseja criar uma rede de significados entre olhares periféricos (Recife e América Latina). O segundo trabalho, Olivier e Lili: uma história de amor em 900 frases (2012), traz para a cena uma investigação a partir do biodrama (conceito desenvolvido pela diretora argentina Vivi Tellas). O grupo (re)faz a dramaturgia francesa de Elizabeth Mazev contando a relação de afetos entre dois artistas pernambucanos, Fátima Pontes e Leidson Ferraz, que recolocam, a partir de suas memórias, outras narrativas sobre o estatuto do teatro na vida artística da cidade.

A partir de 2014, o grupo desenvolve um projeto de solos que acontecem inicialmente no âmbito da ocupação do apartamento do diretor do grupo, na sua luta ativista por pensar novos espaços de sociabilidade artística dentro de uma cidade que, na época, tinha a maioria de seus teatros fechados ou em estado muito precário. Essa ocupação se dá em uma série de ações em que artistas abrem suas casas como espaço de criação. Esse ato de desobediência política e artística está inserido diretamente no movimento Ocupe Estelita, que também acontece na cidade naquele momento. O crítico teatral Alexandre Figueiroa desdobra essa análise, percebendo nestes movimentos um espaço histórico constante de luta por uma democracia teatral:

 

A prática não é nova. Nos anos 1960 e 70, por exemplo, período de muita movimentação nas artes visuais e cênicas com os “happenings” e as performances, era comum eventos artísticos saírem dos teatros e galerias e ocuparem ambientes diversos, inclusive as residências e ateliês dos artistas envolvidos nas ações. […] Esse tipo de intervenção artística também é registrado em locais com governos intolerantes e períodos de repressão política. […] No Brasil, nos tempos da ditadura militar, reuniões domésticas transformavam-se em saraus onde era possível fazer críticas e questionamentos que não eram bem-vistos pelos militares. (FEIGUEIROA, 2024)

 

Luzir é negro, último espetáculo dessa tetralogia, sai do espaço dos apartamentos e se apresenta nos teatros da cidade. Mas, com certeza, a peça traz em seu rastro a experiência pública do íntimo, o que aparece na sua configuração espacial: um palco em formato de corredor, uma tela de projeção ao fundo e, do outro lado, uma pequena banda de música, entrando e saindo da cena, um baú e uma cadeira de balanço. Esta configuração cênica nos ajuda a perceber esse lugar de passagem, de travessia dos corpos negros dentro da cidade. Ao mesmo tempo, o baú, a cadeira e o telão trazem o íntimo da casa na experiência da solidão negra, como o próprio Marconi Bispo afirma em um determinado momento da peça.

 

Na revista Trema, em edição dedicada a pensar a cena preta brasileira, Bispo nos apresenta como esse lugar recôndito da negritude se revela na peça:

 

Luzir é negro começou porque eu queria entender como o racismo havia afetado – e ainda afeta – as minhas relações íntimas, desde os primeiros elos estabelecidos dentro da minha família até as escolhas e não-escolhas que determinavam meus relacionamentos na fase adulta (…) no meio desta encruzilhada teatral, inspirado por Exu, o dono de todas elas, busquei estes sete caminhos. Fronteira não é mesmo lugar de ser um. (BISPO, 2017)

 

Neste texto, ele detecta essa travessia-processo pelos caminhos – “o que está à nossa frente, o que está atrás da gente, o que está à nossa direita, à nossa esquerda, para baixo, para o chão, para o alto e para dentro de você mesmo” – que esmiuça o dia a dia dos ensaios desse espetáculo e nos confronta com a estrutura episódica da encenação. Os temas disparadores de cada cena traçam esse movimento para dentro e para fora do artista, de ida e vinda no tempo, e de tensionamentos entre a esquerda e a direita no momento histórico que vivíamos, o ano de 2016, a partir das narrativas de um artista negro da periferia de um certo Nordeste (des)centrado.

 

Este gesto artístico é uma intervenção política dentro da fratura social de nosso país de uma elite “feudal” branca. Siqueira ainda nos mostra como a forma cômica, debochada, um certo humor gauche, pode criar um eixo de desestabilização do discurso da cena, traçando uma polifonia para o eu negro. Essa construção está muito bem fincada na atuação de Marconi Bispo, que não se contenta em fixar uma única máscara sobre a experiência preta.  

 

Na origem deste espetáculo, está uma vivência da comunidade e da amizade, como afirma o ator em seu texto publicado na revista Trema. Estes gestos de afeto são exercícios contínuos na constituição de uma democracia em nosso país.

 

Referências:

FIGUEIRÔA, Alexandre. O ​novo ​teatro em ​casa no Recife. 28​ de​ maio de 2014. Revista Online O Grito. Disponível em:​http://revistaogrito.ne10.uol.com.br/page/blog/2014/05/28/teatro–em-casa-recife/ Acesso em 29 de ​outubro de 2024. 

BISPO, Marconi. Um negro na(o)​ fronteira. Trema – Revista de Teatro de Grupo, Recife/PE, p. 18, 01 mar. 2017.

 

Wellington Junior é pesquisador e curador do projeto O teatro e a democracia brasileira.

Teasers

O figurino de Marcondes Lima

o espaço cênico

mais fotografias de cena

Histórico de apresentação

28.10.2016 - Estreia na 1ª Mostra de Teatro Alternativo “Outubro ou Nada” | Espaço “O Poste – Soluções Luminosas” – Recife/PE

Ficha técnica

ATUAÇÃO: Marconi Bispo
DIREÇÃO: Rodrigo Dourado
DRAMATURGIA: Marconi Bispo e Rodrigo Dourado
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Rodrigo Cavalcanti
PRODUÇÃO GERAL: Marconi Bispo, Rodrigo Cavalcanti e Rodrigo Dourado
ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO: Rafael Almeida
DIREÇÃO MUSICAL: Marconi Bispo, Deyvid Sankey e Pedro Souza
MÚSICOS: Deyvid Sankey e Pedro Souza [também passaram Kiko Santana, Basílio Queiroz e Phillippi Oliveira]
PREPARAÇÃO CORPORAL: Pollyanna Monteiro
COREOGRAFIA: Edson Voguee Flavio
FIGURINOS: Marcondes Lima e Teatro de Fronteira
CENOGRAFIA: Teatro de Fronteira
PINTURA DE CENÁRIO (baú): João Lin
DESIGN DE LUZ: João Guilherme de Paula
EXECUÇÃO DE LUZ: Dara Thainá, João Guilherme de Paula e João Victor Alves
PROJEÇÃO E VÍDEOS: Ricardo Maciel
SONOPLASTIA: Rodrigo Dourado
EDIÇÃO DE TRILHA SONORA: Rodrigo Porto
CONTRARREGRA: Rafael Almeida
PROJETO GRÁFICO: Arthur Canavarro
REALIZAÇÃO: Teatro de Fronteira

Fotografia de fundo: Rennan Peixe

Depoimentos

Teatro de Fronteira

O Grupo Teatro de Fronteira – surgido em 2008 com o espetáculo Pizza, Coca e Crime: o dia em que Pai Ubu Marcola cagou no Brasil, texto e direção de Rodrigo Dourado, assume como projeto de pesquisa investigar os temas e as questões contemporâneas, sem perder de vista o teatro e seus recursos como ferramentas expressivas e o homem como objeto principal de sua cena. O grupo realizou nove montagens: Pizza, Coca e Crime: o dia em que Pai Ubu Marcola cagou no Brasil (2008), Chat (2009), Solos Performativos (2011), Olivier e Lili: uma história de amor em 900 frases (2012), SoloDiva (2014), Complexo de Cumbuca (2014), Na Beira (2014), Luzir é Negro! (2016) e Ligações Perigosas (2018).

Esta é a página de um espetáculo selecionado no âmbito do projeto O teatro e a democracia brasileira. As informações nela contidas são de responsabilidade de Marconi Bispo, excetuando-se o texto do curador do projeto, sendo esse de responsabilidade da Foco in Cena, proponente deste projeto. Caso encontre um erro ou divergência de dados, favor entrar em contato através do e-mail contato@focoincena.com.br

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