Uterina nasceu de uma experiência pessoal transformadora vivida por Flavia Couto. Em 2021, no quinto mês de uma gravidez desejada, a artista descobriu que sua filha tinha síndrome de Patau, trissomia incompatível com a vida extrauterina. A partir do diagnóstico, decidiu interromper a gestação, submetendo uma petição judicial para que uma figura de poder decidisse sobre seu corpo.

O espetáculo interlinguagens faz interação com cinema, dança e artes plásticas, refletindo sobre o luto e a descriminalização do aborto no Brasil. A obra partiu dos diários e escritas da artista, compartilhando a reconstrução poética de um acontecimento que revirou sua vida. Durante o processo criativo, Couto foi atravessada pela gravidez de sua segunda filha, resignificando a experiência da maternidade e trazendo outros sentimentos, como alegria, para a obra.

O trabalho nasceu em residência artística no LANTISS, em Québec, Canadá, com supervisão de Carole Nadeau, dando continuidade à pesquisa sobre intersecção entre artes cênicas e audiovisual. As temporadas paulistanas foram contempladas pela 20ª edição do Prêmio Zé Renato de Teatro.

Uterina é um espetáculo sensorial que evoca um útero em sua atmosfera acolhedora. O cenário é constituído principalmente por projeções sinestésicas presentes nos vídeos, e parte do público acompanha a peça totalmente imerso nesse ambiente. A presença do mar, da natureza e da neve – elementos marcantes durante o luto da artista – compõem a visualidade do espetáculo.

Um elemento importante é uma ampulheta no formato de saco gestacional que escorre seus grãos, indicando a efemeridade da vida. O trabalho corporal explora movimentos de dança e vivências, incluindo a dança Moribayassa, tradição do povo Malinké sobre mulheres superando situações difíceis.

Mais que um grito de revolta, Uterina configura-se como um percurso pelas águas internas de uma mulher atravessando seus ciclos, em movimentos de calmaria, turbulências, silêncio, mudanças de rota, cortes, mortes e renascimentos.