Apocalipse 1,11
Teatro da Vertigem (SP)
Direção: Antônio Araújo
Duração: 120 minutos
Estreia: 2000
Atualizada em 06/10/2025
O espetáculo
No segundo semestre de 1998, o Teatro da Vertigem dedicou-se à criação de um novo texto dramático, inspirando-se no texto bíblico O Apocalipse de São João. O final do milênio, naquele período, suscitava reflexões sobre a dualidade entre o término de uma era e o possível começo de outra, permeando tanto o receio da aniquilação quanto a aspiração por uma nova civilização.
A companhia demonstrou interesse em explorar essa zona de tensão e ansiedade, em suas diversas nuances. O cenário contemporâneo à criação do espetáculo era marcado por atos de violência e conflitos, o que levava a questionamentos sobre a natureza do Mal e o que parecia incompreensível. A crença no fim dos tempos, então, conectava-se não apenas à contagem de um calendário, mas também à própria condição humana.
Apocalipse 1,11 propôs um mergulho na intersecção dos horizontes individuais e coletivos. A percepção pessoal da passagem do tempo, do envelhecimento e da transitoriedade unia-se a uma consciência mais ampla sobre a mortalidade. O contexto da virada do milênio contribuiu para intensificar essas percepções.
Com este trabalho, o Teatro da Vertigem buscou questionar e refletir sobre a dialética entre a esperança e o temor, sem a pretensão de apenas descrever salvação ou destruição. O espetáculo convidou a um mergulho nesse “tempo de transição”, caracterizado por incertezas e crises, e a um confronto com os próprios “apocalipses” individuais. A decisão de situar o mito apocalíptico no espaço de um presídio permitiu à companhia entrar em contato com a memória dos socialmente excluídos, confrontando-se com o imaginário da prisão.
Equipe
Dramaturgia: Fernando Bonassi
Atores:
Joelson Medeiros – Anjo Poderoso (2000-2003)
Luciana Schwinden – Talidomida do Brasil, Homem Machucado
Luis Miranda – Carteiro, Policial Fundamentalista, Benedito, Pastor Alemão e Palhacinho 1
Mariana Lima – Babilônia (2000)
Mihlen Cortaz – Anjo Poderoso (2003)
Mika Winiavier – Babilônia (2002)
Miriam Rinaldi – Noiva, Palhacinho 2
Roberto Audio – Senhor Morto e Besta
Sergio Siviero – Juiz Vanderlei Bernardino – João
Participação especial:
Aline Arantes – criança (2000)
Kathlen Monteiro – criança (2002)
Alan Fabrício e Sabrina (casal de sexo explícito- 2002)
Amanda Viana e Wagner Viana – (casal de sexo explícito – 2000)
Kleber Vallim – Policial Fundamentalista, Coelho, Chacrinha, Go-go Boy, Pai (2000)
Elenco convidado:
Alexandre Russin, Douglas Estevan, Eduardo Avelino, Gil Guiuzo, Marçal Costa, Pedro Vieira, Pedro Moutinho, Sérgio Guizé e Tales Vinicius como Policiais Fundamentalistas e Adoradores (2000)
Direção de arte: Marcos Pedroso
Direção musical e trilha sonora: Laércio Resende
Assistente de direção: Marcos Bulhões (2000), Eliana Monteiro (2002)
Figurinos: Fábio Namatame
Desenho de luz: Guilherme Bonfanti
Direção de cena e administração: Eliana Monteiro
Assistente de direção de cena: Stella Marine e Verena Gorosthiaga
Desenho de som: Kako Guirado – Usina Sonora
Operação de som: Claudio Gutierrez, Luciano Jesus Mendes (2000-01)
Operação de luz e assistência: Fernanda Carvalho, Luciana Facchini (2000-01), Camilo Bonfanti (2004)
Contrarregra: Zan Martins
Montagem técnica cenografia: Carol Ferreira, Daniela Carmona, Fabrício Lopez, Felipe Espíndola, Meire Lima, Marina Reis, Oséas Borges, Tomi SatoZan Martins, Zé Ferreira
Cenotécnica: André Chimanski Esmeraldo e equipe, Fabricio Lopez, Leonardo Bezerra, Marcos Vinício, Fernandes, Vinicius Simões, Serralheria Cezar Almeida
Adereços: Márcia de Barros
Iluminação: Alexandre Bafé, Camilo Bonfanti
Cocada: Jeová, João, Miló Martins, Oséas Borges
Som: Usina Sonora – André Melhado
Produção executiva: Adriana Oddi (2000), Silvania Barbosa (2000)
Bilheteria: Cláudia Veloso (2000), Cláudio Queiroz (2002)
Limpeza: Edson Ribeiro dos Santos (2000)
Fotografia: Claudia Calabi, Claudia Garcia, Edouard Fraipont, João Wainer, Lenise Pinheiro, Luciana Facchini, Marisa Bentivegna, Renato Chaui
Documentação em vídeo do processo: Berenice Haddad Aguerre
Designer gráfico: Luciana Facchini
Produção executiva: Paulo Farias (2001), Roberta Koyama (2001)
Assessoria de imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques
Direção de produção: Fernanda Signorini (2000), João Fredericci (2002)
Produção de viagem: Marcos Moraes (2000), Daniel Zanardi (2002)
Colaboração no projeto: Celso Cruz – dramaturgismo (primeiro workshop), Débora Serrecielo – atriz (primeira fase), Gilles Chaissing – produção (primeira fase)
Realização: Teatro da Vertigem
Sociedade: Pró Projeto Teatral Dano Brasileiro
Concepção e direção geral: Antônio Araújo
Apocalipse 1,11 foi desenvolvido no período de outubro de 1998 a janeiro de 2000.
O espetáculo teve ensaios abertos a partir de 25 de novembro de 1999 e estreou em 14 de janeiro de 2000 no Presídio do Hipódromo, em São Paulo.
Palestra, trabalhos acadêmicos e crítica
Palestra de José da Costa na Mostra de Teatro Brasileiro Filmado (2015)
Fonte: Canal da Questão de Crítica no Youtube.
Literatura dramática de caráter político no Brasil atual: “O mercado do gozo” e “Apocalipse 1.11”
por Flávia Almeida Vieira Resende
Faculdade de Letras da UFMG – Ano: 2013
Resumo: Esta dissertação tem como principal objetivo estudar as relações entre a estética e a política nas dramaturgias de Apocalipse 1.11 (2000), do Teatro da Vertigem, com dramaturgia de Fernando Bonassi, e O mercado do gozo (2003), da Companhia do Latão, com texto assinado por Sérgio de Carvalho, Márcio Marciano e Helena Albergaria. Trata-se de uma seleção mínima, mas significativa do teatro político no Brasil atual, a partir da qual é realizado um trabalho de análise e reflexão teórica e crítica. Partimos da ideia de que não há apenas uma forma de se produzir teatro político, sobretudo no final do século XX e início do século XXI, em que as grandes ideologias e utopias contrárias ao capitalismo parecem irrealizáveis, e que artistas buscam novas formas de contraposição a este sistema, ou de criar diferentes espaços de subjetivação.
Para baixar a dissertação completa, clique aqui.
O mítico e o contemporâneo em “Apocalipse 1.11”, do Teatro da Vertigem
por Priscila Cristina dos Santos
Instituto de Letras da UFBA – Ano: 2017
Resumo: O Teatro da Vertigem, com sua primeira formação no ano de 1990, tendo como integrantes alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e Escola de Arte Dramática (EAD) e atores que vinham de outras formações, tem como característica a apresentação de seus espetáculos em espaços não convencionais e com apresentações fortes e impactantes. Aqui pensaremos de que forma o Apocalipse 1.11, espetáculo que teve a sua estréia em um presídio desativado do Hipódromo, localizado na região do Bráz, que fica na zona leste de São Paulo, no dia 14 de janeiro de 2000, aborda a nossa realidade/contemporaneidade e o sistema prisional, tendo como ponto de apoio o Massacre do Carandiru e narrativas de ex-presidiários, através da linguagem teatral.
Para baixar este TCC, clique aqui.
O intrigante e pungente Apocalipse 1, 11
Na ordenação canônica dos textos evangélicos, coube ao Apocalipse o último lugar e essa posição expressa o reconhecimento desses antigos editores de que se trata de uma obra bem diversa, na forma e no conteúdo, dos textos testemunhais e doutrinários. Nestes a divindade humanizada é amparada, literariamente, por descrições de pormenores da vida terrena e esses detalhes contribuem para que o leitor, identificando-se, ligue à própria existência os conteúdos espirituais do cristianismo. Ao término do Novo Testamento, entretanto, restabelece-se o vínculo com a Bíblia hebraica por meio de um livro no qual se ouve uma vez mais a altissonante divindade sem corpo.
Como nos antigos livros proféticos, a narrativa se dá fora do tempo, as figuras são inteiramente simbólicas e, em lugar da doutrina, permanecem os conteúdos normativos e judicativos. Retoma-se o estilo epifânico, que é, para Erich Auerbach, uma das vertentes da literatura ocidental: “As histórias das Escrituras não nos lisonjeiam com o intuito de seduzir e encantar – procuram subjugar-nos e, se nos recusamos a essa submissão, somos rebeldes”.
O espetáculo criado agora pelo Teatro da Vertigem a partir de uma leitura do Apocalipse contém em si o duplo movimento da submissão e da rebeldia. Aceita em grande parte a formalização de uma obra revelada recriando cenicamente suas hipérboles, os procedimentos formais que aterrorizam e agem sobretudo no campo da sensibilidade induzindo-nos a desejar, senão a crer, que deve haver alguma ordem ao fim desse tumulto de violência e desespero. Preserva, para construir esse efeito, a estrutura da narrativa em que se inspirou. João é convocado para registrar as visões, há uma caracterização dos erros e das punições das cidades terrenas e, por fim, o julgamento que põe fim ao tempo.
A rebeldia se manifesta na forma historicizada das figuras em cena. Não são inteiramente abstrações da iniqüidade e do sofrimento que cabem aos pecadores, mas figuras do presente cometendo e sofrendo os atos cruéis sem discernimento. É uma dramatização que omite os arquétipos de bondade e justiça que deveriam impulsionar a revelação. Fiel ao espírito deste tempo, quando a extensão das injustiças e do sofrimento torna quase impossível distinguir a origem e contemplar um fim, a versão do Teatro da Vertigem se abstém de separar o bem do mal, os justos dos pecadores.
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A primeira metáfora desse nó inextrincável é o presídio, lugar onde se aloja a encenação. Concreto e real, é também símbolo da Babilônia moderna, lugar onde silenciou a harpa, não se ouve mais o canto do moinho nem a voz do marido e da mulher. É onde desejaríamos circunscrever o mal e é, portanto, o lugar escolhido para mostrar como o que está dentro se parece com o que está fora.
O desacordo com a função judicativa do texto original está também visível nas falas dos personagens. Em grande parte desorientam e escarnecem do sentido unívoco das afirmações. As mensagens que deveriam chegar de um mundo transcendente são, nesse espetáculo, ordenações burocráticas de autoridades terrenas que não sabem mais o que falar e o que fazer. Só as manifestações blasfemas das duas alegorias, a Besta e Babilônia, têm a credibilidade indiscutível do mau gosto e do deboche dos meios de comunicação de massa.
Há muitas coisas intrigantes e belas nessa premeditada confusão de final de tudo. Os palhaços eximindo-se de participar, o melancólico e gigantesco coelho e a inocência personificada por uma mulher de branco sugerem o estado alucinatório que propicia as revelações. Mas há também cenas pungentes pelo tratamento hiperrealista, nas quais reconhecemos fragmentos da nossa experiência cotidiana. É extraordinária, nesse sentido, a cena em que um homem negro é humilhado.
Em O livro de Jó, realização anterior desse grupo, uma epifania final consolava o sofrido personagem bíblico. Neste espetáculo se expressam, nas falas ásperas ou sarcásticas escritas por Fernando Bonassi, o cansaço e a desesperança. Parece mais distante a Cidade de Deus.
(O Estado de S. Paulo, 21/01/2000)
Leituras relacionadas
Comemorando os dez anos de existência de um dos mais relevantes grupos teatrais do nosso país, o livro Teatro da Vertigem – TRILOGIA BÍBLICA traz o texto integral dos espetáculos O Paraíso Perdido (1992), O Livro de Jó (1995) e Apocalipse 1:11 (2000), acompanhado de ensaios, depoimentos e uma seleção de críticas publicadas no Brasil e no exterior, mais dezenas de fotos, cronologia e bibliografia do Teatro da Vertigem.
Publifolha
Ano: 2002
Comemorando 25 anos do grupo, a Editora Cobogó lança o livro Teatro da Vertigem que reúne textos de críticos, dramaturgos e pensadores que refletem sobre os modos e meios de criação do grupo. Ao longo do seu marcante percurso artístico, híbrido de linguagens, entre elas, o site specific e a performance urbana, o grupo liderado por Antônio Araújo abriu espaço em suas criações colaborativas para as possibilidades cênicas e dramatúrgicas em diferentes locações da cidade.
Livro finalista do 61º Prêmio Jabuti (2019) na categoria Projeto gráfico (Responsável: Luciana Facchini).
Editora Cobogó
Ano: 2018
https://www.cobogo.com.br/produto/teatro-da-vertigem-teatro-de-vertigem-613
Outros espetáculos do Teatro da Vertigem no Trilhas da Cena
PARAÍSO PERDIDO (1992)
Com este espetáculo a companhia procurou tratar de algumas das mais recorrentes questões metafísicas: a perda do paraíso, sua nostalgia e a consequente busca de um religamento original. Para tanto se inspirou desde os relatos mesopotâmicos da criação, o gênesis bíblico e os textos apócrifos dos livros de Adão e Eva até a obra de John Milton, “O Paraíso Perdido”, poema responsável pela origem e articulação deste projeto. O Vertigem entende que o mito da queda pode ser associado aos sentimentos contemporâneos de decadência e de nostalgia de um padrão superior de existência. Ele retrata a perda da proximidade às origens da natureza humana e o abandono de um contato ideal com o plano divino.
https://trilhasdacena.com.br/paraiso-perdido/
O LIVRO DE JÓ (1995)
O Livro de Jó foi desenvolvido com a perspectiva de aprofundar elementos vivenciados anteriormente e trazer ao núcleo do Teatro da Vertigem novas diretrizes. Mantendo um processo a partir dos depoimentos pessoais dos atores, o universo temático sofreu uma verticalização nesta montagem. Porém, dessa vez, colocou-se frente a uma dramaturgia mais formalizada trazendo para o grupo o universo da palavra. Se anteriormente a linguagem gestual era a principal expressão das reflexões e vivências do grupo, a partir de então, a palavra começou a entrar no campo das preocupações; a exploração do movimento coral abriu espaço para a construção de personagens; as experimentações corporais sobre as leis da física buscaram transformar-se em treinamentos dos estados internos do ator.
https://trilhasdacena.com.br/o-livro-de-jo/
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