Trilhas da Cena

ARQUEOLOGIAS DO FUTURO

Mauricio Lima (RJ)

Direção: Dadado de Freitas e Mauricio Lima

Estreia: 2023

Atualizada em 08/08/2024

ARQUEOLOGIAS DO FUTURO é uma performance-depoimento a partir de memórias – vividas e inventadas – da vida do performer Mauricio Lima no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, acompanhado de mais 30 vozes, se perguntando: o que o corpo fala? Quais corpos são vistos e ouvidos? Quem tem direito de narrar suas próprias histórias? Uma navalha, o Menino Amarelinho, as rotas de fuga, o Homem-bola e o corpo-museu são os “artefatos” recolhidos nessa arqueologia, formando um mosaico imagético-sonoro, político-poético, sampleando ficção e documento, apontando as potências de vida e o futuro, não o que há de vir, mas o que já é, de corpos vivos e em movimento.

O espetáculo

A peça-performance, idealizada pelo ator e performer Mauricio Lima – também responsável pela direção e dramaturgia em colaboração com Dadado de Freitas – é um desdobramento do projeto Museu dos Meninos – um museu virtual que investiga procedimentos de preservação, inscrição e invenção de memórias a partir de uma perspectiva favelada e periférica. A pesquisa acontece no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro. 

 

Para ARQUEOLOGIAS DO FUTURO, Lima apresenta uma arqueologia afetiva, explorando cinco ‘artefatos’ que compreendem objetos, vídeos, personagens e histórias encontrados na fase de pesquisa para o Museu dos Meninos. A dramaturgia parte do “museu” como uma metáfora, mas também se relaciona com os elementos museológicos de forma concreta a partir das ideias de acervo e coleção. A performance mergulha nas memórias, tanto reais quanto inventadas, do performer no Complexo do Alemão, seu território de origem, acompanhado de mais 30 vozes dos jovens negros que formam a coleção permanente do Museu dos Meninos. Nesse contexto, a narrativa instiga reflexões sobre o que o corpo fala, quais corpos são genuinamente percebidos e ouvidos, e quem detém o direito de narrar suas próprias histórias.

 

A encenação, que transita entre teatro, performance, dança e artes visuais, propõe configurações poéticas para corpos e territórios sistematicamente oprimidos. “Trazemos para o palco uma subversão do imaginário social estigmatizante ligado a esses meninos e ao Complexo do Alemão. O que colocamos em cena é a vida e a delicadeza que transbordam do território e dos corpos que ali vivem, em um exercício poético de criação de outras perspectivas de futuro para esse território e essa juventude”, destaca Mauricio.

 

As provocações visuais e sonoras desempenham um papel crucial em ARQUEOLOGIAS DO FUTURO. “A peça materializa, em cena, a tensão entre o visível e o invisível, radicalizando a relação entre luz, som e movimento em uma experiência sensorial. Uma manipulação imagética para que ecoe uma pergunta fundamental: ‘Você consegue me ver?”, completa Dadado. A trilha sonora original é composta por Novíssimo Edgar e Beà Ayòóla. A direção de arte é de Evee Ávila.

 

ARQUEOLOGIAS DO FUTURO foi desenvolvida ao longo de três anos, atravessando e sendo atravessada pela pandemia de COVID-19. A montagem, inicialmente prevista para estrear em 2020 no International Community Arts Festival (ICAF), em Rotterdam, na Holanda, foi cancelada devido à disseminação do vírus. “Foi um período tenso para todos nós. Fomos vendo uma certa ideia de mundo ruir. Não tinha como isso não invadir a performance”, salienta Dadado. Durante o tempo de isolamento, a pesquisa transformou-se em uma ação site-specific no espaço virtual, que incluíram uma performance virtual, com grande circulação, que chegou a participar até de festivais de cinema, como a Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (CineBH) e também uma série de encontros com artistas, pensadores e ativistas negros e negras de diferentes partes do mundo, como Djamila Ribeiro no Brasil e, internacionalmente, Joacine Katar Moreira, pensadora luso-guineense. Após três anos de pesquisa em outros formatos, os artistas estrearam a performance no Festival de Curitiba em 2023.

 

“Arqueologias do Futuro” foi contemplado no Edital de Chamada Emergencial de apoio ao Teatro “Evoé! RJ”, do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro (SECEC- RJ) através dos recursos da Lei Paulo Gustavo.

Indicado ao 34º Prêmio Shell na categoria Energia Que Vem da Gente- é uma obra-museu que engloba diversas expressões artísticas, visando mapear, preservar e criar memórias como um exercício contínuo e coletivo de futuridades para o povo preto e favelado. Comissionada pela Prince Claus Fund, o Museu dos Meninos foi criado em 2019 pelo ator e performer Mauricio Lima – cria do Complexo do Alemão – e traz em seu acervo principal uma série de 30 vídeos-depoimento de jovens negros com idades entre 15 e 29 anos, moradores das favelas que compõem o Complexo do Alemão e seus arredores, no Rio de Janeiro, além de uma série de outras ações em múltiplas linguagens. Para a seleção dos participantes, Lima buscou encontrar jovens que estivessem dentro das estatísticas alarmantes de morte da juventude negra. A escolha levou em consideração também a diversidade de experiências de masculinidade.

Mauricio Lima

Ator, bailarino e performer formado pela Escola de Teatro Martins Pena e pelo curso de Teoria da Dança, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua junto ao grupo Teatro de Extremos e o Coletivo Líquida Ação, em paralelo à sua pesquisa artística autônoma. Em seu trabalho autoral tensiona as questões ético-estéticas relacionadas às negritudes contemporâneas e periféricas, memória, fabulação e performance.

Foto: Diogo Nascimento
Foto: Diogo Nascimento

Dadado de Freitas

Diretor, dramaturgo e ator. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ, pesquisa performance, política, a cena e os corpos dissidentes. Dirige o Teatro de Extremos e experimenta linguagens híbridas entre o teatro e outros gêneros. Como artista da cena tem vasta experiência nacional e internacional, acumula diversas indicações a prêmios e acredita na transgressão pela palavra, no corpo como dissidência e exercita a “bixice” e o desbunde como formas militantes de existência.

Foto: Elisa Mendes
Foto: Elisa Mendes

Equipe

Performance: Mauricio Lima
Direção: Dadado de Freitas e Mauricio Lima
Dramaturgia Sampleada: Dadado de Freitas e Mauricio Lima
Direção de Arte: Evee Ávila
Direção de Produção: Nely Coelho / Ginja Filmes
Trilha Sonora: Novíssimo Edgar e Beá Ayòóla
Sonoplastia, Mixagem e Master “Artefato 3”: Vinicius Guelfi
Videoartista: Caio Casagrande
Video Mapping: Fagner Lourenço
Desenho de Luz: Dadado de Freitas
Operação de videomapping: Carolina Godinho
Operação de luz: Debrá
Técnica de som: Raquel Brandi
Montagem: Guiga Ensa, Bruno Oliveira
Colaboração Artística: Tainah Longras e Romulo Galvão
 Imagens “Homem-Bola”: Diogo Nascimento
Mídias Sociais: Rodrigo Menezes
Formação de público: Marcelo Lemmer / RL Acessibilidade
Acessibilidade: RL Acessibilidade
Assessoria de Imprensa: Lyvia Rodrigues / Aquela Que Divulga

Crítica

A apresentação de Arqueologias do Futuro, a que assistimos na primeira semana do Festival de Curitiba nos últimos dias de março de 2023, é uma das entradas possíveis para um projeto mais amplo, o Museu dos Meninos, “uma obra-museu composta por uma série de ações nos campos do audiovisual, das artes cênicas e visuais, com a premissa de mapear, preservar e criar memórias, como exercício contínuo e coletivo de futuridades impossíveis para o povo preto e favelado”, como consta no espaço online em que esse museu virtual pode ser visitado. Realizado por Mauricio Lima, artista da dança e do teatro do Rio de Janeiro, com direção e dramaturgia sampleada em parceria com Fabiano (Dadado) de Freitas, o projeto se coloca como uma reação aos dados divulgados no Mapa da Violência no Brasil em 2016. Uma reação propositiva, que subverte o imaginário impresso nas imagens de jovens rapazes negros, cujas vidas são o alvo mais comum da truculência policial na cidade. O espetáculo subverte também a expectativa de quem vai ver uma obra que parte – pelo menos parcialmente – da premissa da violência. O que se vê em cena é um derramamento de delicadeza. (,,,)

Daniele Avila Small

 

Para ler a crítica completa no site Questão de Crítica, clique aqui.

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