Terceiro Corpo
Mariana Pimentel (RJ)
Duração: 50 min
Estreia: 2023
Atualizada em 03/02/2024
Foto: Carol Pires
Terceiro Corpo
Mariana Pimentel (RJ)
Duração: 50 minutos
Estreia: 2023
Atualizada em 03/02/2024
Foto: Carol Pires
Sinopse
Me sinto um terceiro corpo. Um corpo que não tem medo das perguntas, um corpo em trânsito, um corpo no entremeio. Um corpo na instabilidade. Um corpo que exercita o despir de suas alegorias em busca da retomada de sua inseparabilidade de sua natureza. Um corpo que deseja ritualizar um reconhecimento, uma revelação. Um corpo que tardiamente lida com a identidade-colagem que o constitui com a coragem de assumir esta mestiçagem violenta da qual sou herdeira como uma mulher brasileira.
Sou um corpo que está ENTRE. Entre duas ou mais direções, tempos, lugares, espaços, identidades. Sou um corpo terceiro mundista. O que é ser um corpo do e no terceiro mundo nos dias de hoje?
“Terceiro Corpo” é inspirado em partilhas que tive sobre este tema com a artista negra da dança Carmen Luz e com a antropóloga e a curadora guarani Sandra Benites, que me instigaram a pensar que um processo de retomada é um processo de retomada, antes de tudo, de si.
Mariana Pimentel
“Terceiro Corpo” é um solo de dança criado pela artista da dança, curadora e gestora cultural Mariana Pimentel em uma parceria criativa com a atriz e iluminadora Karina Figueredo, na qual investigam a relação entre corpo, luz e visualidades como dramaturgia central do espetáculo. A morte da avó de Mariana disparou de maneira muito intensa um processo de retomada ancestral no seu percurso pessoal e artístico. Sua avó se chamava Moema. Sua mãe se chama Moema. E Moema também quase foi o seu nome. Moema é uma mulher indígena presente na obra de autoria do padre e poeta Santa Rita Durão de título “Caramuru: poema épico do descobrimento da Bahia”(1829), que relata sob a perspectiva do colonizador a chegada do português Diogo Álvares Correia ao Brasil e a “conquista” da Bahia. Ela é considerada como símbolo de uma mulher heróica, destemida e persistente ao nadar até a morte em direção à caravela do seu amado Caramuru enquanto ele partia de volta à Portugal levando consigo sua irmã Paraguaçu. Caramuru manteve relações amorosas com as duas irmãs, elegendo uma delas para casar-se consigo em Portugal.
Tal narrativa é abordada como se Moema tivesse nadado até a morte pelo amor não correspondido de Caramuru. Mas…Por quê não desconstruir a narrativa hegemônica de que Moema morreu afogada por estar em busca de Caramuru e não pelo fato de sua irmã estar sendo levada por ele para outro continente? Por quê não pensar que Moema morreu afogada por estar em busca da sua irmã e não por um amor romântico ao homem branco europeu?
Neste contexto, a artista busca a partir desta personagem percorrer e investigar as suas origens, dando início a um processo de retomada, que é, antes de tudo, uma retomada de si. A partir de um processo que coletiviza questões individuais, este solo de dança aborda a visibilidade da ancestralidade indígena, o empoderamento feminino, a regeneração, a relação de inseparabilidade entre o corpo e a natureza e as políticas de (re) existência que concernem estes temas a partir de perspectivas ecofeministas.
Equipe
Direção, criação, interpretação e produção: Mariana Pimentel
Direção e desenho de luz: Karina Figueiredo
Direção de movimento e acompanhamento dramatúrgico: Alexandre Américo
Trilha Sonora Original: Tiago Portella Otto
Figurino: Lucas Koester e Natália Borges /Urd Atelier
Assistentes de costura Urd Atelier: Carolina Glasner , Nicoli Gomes e Tarsis Melo
Cenografia: Natália Borges e Mariana Pimentel
Visualidades e captação de imagem de processo: Pedro Vitu Queiroz
Fotografia de processo, vídeos de divulgação e design gráfico: Maria Antônia Queiroz
Apoio na pesquisa: Aliã Wamiri Guajajara e Nathan Gomes
Montagem de luz: Boy Jorge
Operação de luz: Karina Figueredo, Cris Ferreira, Maria Hermeto e Tayná Maciel
Operação e montagem de som: Julio Coelho, Cynthia Esperança e Gabi Jung
Cenotecnia: Uirá Clemente
Preparação corporal e fisioterapia: Núbia Barbosa e Mana Lobato
Apoio na produção e visagismo: Priscila Maia, Mana Lobato e Marília Rameh
Apoio e doação de materiais para o figurino: Almir França e projeto Ecomoda
Vídeo: Mariana Bley
Fotografias do processo: Maria Antônia Queiroz
Fotografias do espetáculo: Carol Pires
Assessoria de imprensa: Monick Dútra
Realização: Sesi FIRJAN – RJ
Correalização: Futuros Arte e Tecnologia
Parceria institucional: Oi Futuro
Produção Dos Voos
Dos Voos é Mariana Pimentel e Priscila Maia
Classificação indicativa: 12 anos
Mariana Pimentel
Mariana Pimentel (Fortaleza/ Brasil,1983) é artista da dança, curadora, gestora e produtora cultural. Investiga práticas colaborativas no sistema produtivo da dança e seus trabalhos autorais tratam de tensões políticas entre corpo, espaço, identidades e noções de coletividade, sendo apresentados em Portugal, França, Suécia, Áustria, Itália e Brasil. Colaborou como intérprete com artistas e companhias no Brasil, Portugal e França. É sócia da produtora Dos Voos – Soluções em Arte e Design que atua com projetos artísticos transdisciplinares.
Por onde passamos... para onde vamos.
19 a 23 de Setembro de 2024
Alkantara
Lisboa, Portugal
Teasers
Video do espetáculo na íntegra
Crítica
(…) O espectador sabe que esse corpo feminino não é o de uma diva europeia, mas um corpo há séculos estuprado pela colonização. Sabe, também, que aqueles elementos tropicais muitas vezes foram utilizados para silenciar os horrores coloniais com uma ideia de povo brasileiro alegre, que faz carnaval mesmo sob a pobreza. Sabe que o material plástico é agressivo à natureza e, por isso, ele materializa, em cena, nosso papel de objeto aos olhos dos que contaram a História. (…)
Dança Além das Fronteiras, Por Cláudio Serra, Professor do Departamento de Estética e Teoria do Teatro da UNIRIO
Leia toda a crítica Alegoria, desierarquização, abertura: Terceiro Corpo no “Movimentos de Solo”, publicada no portal Eu, Rio! clicando aqui.
Moema Antropofágica
O processo criativo de “Terceiro Corpo” agregou muita gente. Pessoas queridas com quem eu ia compartilhando sobre o trabalho iam se envolvendo e colocando para jogo suas inquietações e afetos com os temas que ele levanta e assim fui ganhando pelo caminho vários presentes como o texto “Moema Antropofágico” do ator e amigo amapaense Jones Barsou.
Mariana Pimentel
Eu conheço muito bem a dureza do concreto que sustenta as paredes dessa casa. Conheço, não por ser da profissão que trabalha, mas por eu ter aparecido no mundo onde pedras ocupam mais espaços em nossos olhos do que a terra que a sustenta. Elas são tantas que passamos a chamá-las de terra, mas acontece que essas pedras nos impedem de ver o que realmente é terra.
É por isso que eu tenho feito vários cursos de como cavar. Eu tenho feito isso por que eu quero descobrir qual é o verdadeiro cheiro da terra, cheiro da terra e não cheiro artificial. Eu quero conhecer a terra que desenhou em si os pés da minha vó e da minha mãe e, que desenhou os meus também e que sabe me dizer da onde eu vim.
É preciso quebrar o concreto que cobriu os meus passos, é preciso rasgar o véu ensedado que encortina os nossos olhos, raspar o aço do espelho barato, para que seja possível olhar o que tem do outro lado. É necessário retomar o cheiro da terra. É preciso sentir o próprio cheiro. É preciso cavar o próprio peito para suprimir a voz que me veste de morena, como o concreto que veste a terra de cinza.
Nessa constância de cavar o silêncio eu descobri um corpo, um corpo que sempre foi meu, mas eu não o reconhecia. Um corpo que foi tomado de mim e embrulhado pela boca alheia na “morenice” inexistente do ladrão que fugiu da sua terra e montou aqui o seu trono. E nesse silêncio de cavar a mim mesma, pouco a pouco eu desenterro os meus passos, eles vão me mostrando um caminho, como numa trilha que nos leva a um caminho muito maior.
Eu sigo como quem encontrou o caminho de casa e nesse caminho reconheço o desenho dos pés da minha vó que a terra guardou para me dar de presente. Hoje eu olho para os meus olhos, para os meus passos desenhados na terra e mergulho num sorriso intenso, só por saber da onde vêm as raízes dos meus cabelos. E lá no início desse caminho consigo ver a minha primeira Moema, a minha Moema mais velha e sábia. Ela me acolhe empenada com as penas coloridas das araras e dos mutuns, vestida no encarnado intenso do urucum e no preto forte do jenipapo, que juntos desenham no seu corpo, não a vaidade, mas a vida amalgamada.
Sua força atravessa gerações até chegar ao meu peito e ao encontrá-la sou atravessada pelo cheiro da sua terra… Ela foi a minha primeira Moema e assim como muitas outras mulheres indígenas, também foi “pega no laço”. O mesmo laço que sequestrou e estuprou os ventres das mulheres de pindorama. Ela é a aparição que veio para me mostrar quem ela é…
Eu sou Moema, o canto ancestral que atravessou gerações para pisar firme nesse chão. Eu sou uma flecha envenenada lançada para devorar o pensamento contemporâneo que não sabe para onde ir. Eu sou o levante ancestral sobre o concreto acinzentado. Eu venho para devorar Caramuru e os seus descendentes, para devorar a boca que me vestiu, para devorar o meu próprio nome. Meu é o ventre que pariu todos os bastardos que me ignoram e se escondem por traz do véu ensedado que ganharam do seu pai europeu. Eu sou a antropofagia que lhes devora e vomita na sua própria cara.
A voz da minha vó é um eco que passa a reverberar nas paredes do meu peito. É também uma indignação que sempre esteve entre nós, vivendo o seu luto centenário. Desenterrar Moema é conhecer um presente apagado de mim mesma.
Jones Barsou
Playlist
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