

Viúvas: performance sobre a ausência
Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS)
Estreia: 2011
Sinopse
Viúvas: performance sobre a ausência é uma peça em defesa da memória dos mortos desaparecidos na América Latina durante o período ditatorial. No espetáculo, uma anciã, símbolo da memória e resistência, não desiste de reivindicar o conhecimento do destino de seus mortos: pai, marido e filhos estão desaparecidos. Sozinha com os netos, ela se contrapõe à atitude de outras mulheres, que se adequaram à situação com a qual ela não pode se conformar.
O espetáculo
O espetáculo Viúvas: performance sobre a ausência foi desenvolvido a partir de um processo coletivo que integrou pesquisa histórica, experimentação cênica e engajamento com temas sociais. A companhia, conhecida por seu teatro de caráter político e comunitário, estruturou a montagem em torno da investigação sobre memórias de violência de Estado e desaparecimentos forçados, com ênfase em contextos latino-americanos. O grupo partiu de referências como as mães e viúvas da Praça de Maio, na Argentina, e casos brasileiros vinculados à ditadura civil-militar (1964-1985), buscando discutir o luto como ato político e a resistência simbólica diante da ausência.
O processo de criação envolveu oficinas e improvisações nas quais os atuadores exploraram corporalmente a ideia de vazio e presença, utilizando objetos cotidianos — como roupas, fotografias e cadeiras vazias — para materializar a ausência no espaço cênico. A dramaturgia foi construída de forma colaborativa, incorporando depoimentos, documentos históricos e textos literários, com o objetivo de tensionar a relação entre memória individual e coletiva. A encenação privilegiou ambientes não convencionais visando romper com a separação tradicional entre palco e plateia e aproximar a narrativa do espaço público. Originalmente, a peça foi realizada nas ruínas do presídio de segurança máxima da Ilha das Pedras Brancas, no Rio Guaíba em Porto Alegre, que recebia presos políticos durante os anos 1960 e 1970 no Brasil.
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz explicitou que um dos propósitos centrais de Viúvas era questionar as dinâmicas de silenciamento impostas por regimes autoritários, propondo a arte como ferramenta para reivindicar a preservação da memória. A escolha por performances em locais abertos também refletia a intenção de democratizar o acesso à discussão sobre temas históricos, convidando o público a refletir sobre mecanismos de opressão ainda presentes na sociedade contemporânea. A companhia destacou, em materiais de divulgação e entrevistas, a importância de criar um diálogo entre passado e presente, estimulando a conscientização sobre lutas sociais por justiça e reparação.
Espaço, memória e resistência das mulheres às ditaduras no Brasil e na América Latina
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz é um coletivo que atua em Porto Alegre/RS desde 1978. As atividades do grupo tiveram início em um período de intensas mobilizações contra o regime militar instaurado no Brasil desde 1964. Nesse contexto, movimentos sociais e representantes de diferentes segmentos da sociedade fortaleceram manifestações populares que contestavam os limites impostos pelo regime civil-militar. Foi durante essa efervescência sociocultural de resistência, em um Brasil que reivindicava direitos e justiça e se preparava para a redemocratização, que o Ói Nóis estabeleceu as bases de sua atuação cidadã e artística e as seguem até os dias de hoje.
O cenógrafo, iluminador, produtor, ator, encenador e professor Paulo Flores é um dos fundadores da tribo e, aliado a Tânia Farias, atriz, encenadora, figurinista, cenógrafa, pesquisadora, professora e produtora teatral produzem espetáculos há mais de 40 anos, oferecem oficinas de atuação, teatro popular e teatro de rua para a população e realizam fóruns e encontros entre espectadores, artistas e representantes do poder público e da cultura. Para o Ói Nóis as noções de autonomia, autogestão e criação coletiva norteiam a convivência e as proposições do grupo no Rio Grande do Sul.
Em Viúvas: uma performance da ausência (2011), o grupo se baseia no texto Viudas (1981), do romancista, dramaturgo, ensaísta e ativista argentino Ariel Dorfman. Na obra original, o luto das mulheres de um povoado, cujos familiares desapareceram sob o autoritarismo, se transforma em força e luta para preservar a memória de seus companheiros, filhos, irmãos, netos, genros, vizinhos e conhecidos. Para Dorfman, em tradução livre:
[…] os desaparecimentos acabarão por enviar uma mensagem paralela ao próprio país: somos os deuses e senhores não só da vida, mas da própria morte e não vamos apenas punir os rebeldes, mas também condenar aqueles que sobreviverem a eles, condená-los a um duelo sem fim […] o desaparecimento de […] prisioneiros [é] como um sequestro perpétuo […] um crime que não parou de acontecer. (DORFMAN, A. Além do medo. O longo adeus a Pinochet. Madrid: Siglo XXI, 2002, p. 142.)
[…] las desapariciones terminaran mandando un mensaje paralelo al país mismo: nosotros somos los dioses y señores no sólo de la vida sino de la muerte mima y no sólo vamos a escarmentar los rebeldes sino también a condenar a quienes los sobreviven, condenarlos a un duelo interminable […] la desaparición de […] prisioneros [es] como un secuestro perpetuo […] un crimen que no ha dejado de suceder. (DORFMAN, A. Más Allá del miedo. El largo adiós a Pinochet. Madrid: Siglo XXI, 2002, p. 142.)
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O Ói Nóis estreou Viúvas: uma performance da ausência nas ruínas de um antigo prédio na Ilha das Pedras, mais conhecida como Ilha do Presídio, no Lago Guaíba, entre Porto Alegre e Guaíba, no Rio Grande do Sul. Construídas entre 1857 e 1860, as edificações serviram inicialmente como depósito de pólvora do exército, posteriormente abrigando um laboratório de pesquisa animal. Em 1950, a ilha tornou-se um presídio para jovens com delitos leves e, durante a ditadura no Brasil, passou a encarcerar presos políticos.
Em Viúvas, o Ói Nóis ocupa a Ilha do Presídio com seu teatro de vivência, realizando uma cerimônia à ausência. No espetáculo, mulheres que se recusam a permitir o apagamento de suas memórias são conduzidas por Sofia (Tânia Farias) — uma anciã, representante feminina de uma América Latina historicamente resistente à opressão e ao esquecimento de suas lutas por justiça e liberdade. As personagens, assim como as pedras da ilha, rejeitam um progresso baseado na construção de uma memória oficial desconectada dos traumas ditatoriais. Nesse sentido, a exposição da ausência de corpos e histórias se torna um chamado à experiência coletiva de reconhecer e honrar aqueles que contribuíram para a democracia na região.
Outro espetáculo do grupo que também revisita nosso passado recente é O Amargo Santo da Purificação (2008). Nesta montagem de teatro de rua, o grupo resgata a memória de Carlos Marighella — escritor e ativista político, um dos principais combatentes da ditadura civil-militar no Brasil —, abordando sua juventude na Bahia e no Rio de Janeiro, sua atuação revolucionária e seus poemas de resistência, transformados em canções na peça.
No contexto das iniciativas de resgate da memória histórica promovidas por governos progressistas na América Latina e no Brasil, e com a participação de entidades de direitos humanos, a Ilha do Presídio foi reconhecida como patrimônio histórico do Rio Grande do Sul em 2014. Conforme o artigo 216 da Constituição Federal de 1988: “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formados da sociedade brasileira”.
Em entrevista ao podcast De Fato #23 de janeiro de 2024, Tânia Farias, ao comentar sobre ações e princípios estéticos e políticos do Ói Nóis Aqui Traveiz, resume o que percebemos ser a vocação da montagem Viúvas: uma performance da ausência. Com a palavra, Tânia Farias: “nós produzimos pensamento de luta”.
Sueli Araujo é pesquisadora e curadora do projeto O teatro e a democracia brasileira.
galeria de fotos
Fotografias de Pedro Isaias Lucas, realizadas durante apresentações nas ruínas do presídio de segurança máxima da Ilha das Pedras Brancas, no Rio Guaíba em Porto Alegre.
Clique aqui para acessar galeria de fotos realizadas por Bob de Sousa durante apresentação do espetáculo em setembro de 2016, na Fortaleza da Barra, em Santos, no âmbito do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas.
ficha técnica
Encenação coletiva da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz a partir do texto de Ariel Dorfman
Roteiro, iluminação, figurinos e adereços: criação coletiva
Músicas: Johann Alex de Souza
Operação de luz e som:Daniel Steil, Márcio Leandro
Costureira: Heloisa Cônsul
Atuadores: Tânia Farias, Paulo Flores, Eugênio Barboza, Clélio Cardoso, Marta Haas, Roberto Corbo, Eduardo Cardoso, Caroline Vetori, Anelise Vargas, Alex Pantera, Geison Burgedurf, Jorge Gil, Renan Leandro, Edgar Alves, Paula Carvalho, Sandra Steil, Mayura Matos, Alessandro Müller, Aline Ferraz, Karina Sieben, Leticia Virtuoso, Leila Carvalho, Paola Mallmann, Charles Brito
Atuadores em substituição: Daiane Marçal, André de Jesus, Jana Farias, Keter Velho, Lucas Gheller, Júlio Kaczam, Luana Rocha, Pascal Berten, Dalvana Vanso, Eduardo Arruda, Raquel Zepka, Paola Mallmann, Camila Alfonso de Almeida, Cléber Vinícius
Críticas
CRITICAS:
A arte de transformar realidade em poesia.
Sebastião Millaré
O desvelo em revelar.
Valmir Santos
Clique nas setas no canto inferior direito da imagem desse ebook para entrar no modo tela cheia e, assim, conseguir ler os textos.
Estas críticas estão publicadas na revista Cavalo Louco nº 10, uma publicação do grupo Oi Nóiz Aqui Traveiz que pode ser acessada na íntegra clicando aqui.
Clipping
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Autora: Liziê Vargas
Desdobramentos da cena: performance e ação política.
Autor: Newton Pinto da Silva
Tribo de Atuadores Oi Nóiz Aqui Traveiz
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz surgiu em 1978, durante mais de quatro décadas construiu uma trajetória que marcou definitivamente a paisagem cultural do Brasil. Com a iniciativa de subverter a estrutura das salas de espetáculos e o ímpeto de levar o teatro para a rua, abriu novas perspectivas na tradicional performance cênica do sul do país. A determinação em experimentar novas linguagens a fez seguir caminhos nunca trilhados por aqui. Com base nos preceitos de Antonin Artaud e do teatro revolucionário, investiga com rigor todas as possibilidades da encenação. Na busca de uma identidade, desenvolveu uma estética própria, fundada na pesquisa dramatúrgica, musical, plástica, no estudo da história e da cultura, na experimentação dos recursos teatrais a partir do trabalho autoral do ator, estabelecendo um novo modo de atuação.
Visite o site: https://oinoisaquitraveiz.com
Esta é a página de um espetáculo selecionado no âmbito do projeto O teatro e a democracia brasileira. A atualização dos seus dados, bem como as informações nela contidas são de responsabilidade da Foco in Cena, proponente deste projeto. Caso encontre um erro ou divergência de dados, favor entrar em contato através do e-mail contato@focoincena.com.br

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