MATRAGA
Ópera de Rufo Herrera
Da obra de João Guimarães Rosa
Fundação Clóvis Salgado (MG)
Estreia: 2023
Atualizada em 29/10/2023
“MATRAGA NÃO É MATRAGA, NÃO É NADA. Matraga é Estêves. Augusto Estêves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem”. Assim começa A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa (1908-1967). Assim continua a quase épica história do “homem”. Assim termina com a hora e a vez, “a morte e a morte” de Augusto Matraga.
Em três atos, Matraga, inspirada no conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa, tem libreto e música de Rufo Herrera, artista que, em 2023, completou 90 anos. E também participações dos corpos artísticos da Fundação Clóvis Salgado: Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), Coral Lírico de Minas Gerais (CLMG) e Cia. de Dança Palácio das Artes (CDPA). Grande elenco de solistas e a narração do ator Gilson de Barros, conhecido pela atuação inspirada no universo rosiano.
A Hora e a Vez de Augusto Matraga é o último e o mais emblemático conto de livro Sagarana (1946), estreia de João Guimarães Rosa na literatura. Para o crítico literário Antonio Candido (1918-2017), é a obra-prima de Sagarana, “onde o autor entra em região quase épica de humanidade e cria um dos grandes tipos de nossa literatura, dentro do conto que será, daqui por diante, contado entre os dez ou doze mais perfeitos da língua”. O regional encontrando o universal.
No conto e em dois filmes – A Hora e Vez de Augusto Matraga (1965), dirigido por Roberto Santos, vencedor do Festival de Brasília em 1966, e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (2015), dirigido por Vinícius Coimbra e vencedor do Festival do Rio, antes do lançamento comercial, em 2011 – Augusto Matraga é um fazendeiro poderoso e violento, “duro, doido e sem detença, como um bicho grande do mato”, rude como as terras remotas de Minas. Por temperamento, desprezo e ganância, perde tudo; dinheiro, posses e mais. Traído pela mulher, Dionóra, ao tentar recuperá-la e vingar sua honra, Matraga é emboscado e espancado por seus inimigos, os capangas do Major Consilva. Atirado de um despenhadeiro num abismo, é dado como morto. Salvo pela bondade de um casal humilde, em busca do perdão para seus pecados e de um lugar no Céu, apega-se à religiosidade. Aparentemente resignado, Augusto conhece então o jagunço Joãozinho Bem-Bem, “o arranca-toco, o treme-terra, o come-brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arrasa”, que desperta seus instintos mais primitivos. Matraga oscila entre a crença, a esperança – que não consegue abandonar – e a violência de sua natureza.
A abordagem de Rufo Herrera traz João Guimarães Rosa para dentro da obra que, como narrador, caminha pelo sertão. Não é uma ópera convencional, é música que tem elementos incidentais. Nas palavras do próprio Herrera, “venho da música folclórica, popular, e fui para a erudita. Minha opção pelo conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga para uma obra cênico-musical, devo-a, em primeiro lugar, à minha vivenciada identificação com o universo da literatura rosiana, sua força poética, que me inspira, e sua filosófica revelação do ser humano em profundidade. O homem lá, onde João Guimarães Rosa o foi buscar – O Sertão das Gerais – oscila permanentemente entre o bem e o mal. Ora se apruma, ora cai ao nível da fera, ora paira acima de Deus e do diabo”.
Rufo Herrera lembra que teve Grande Sertão: Veredas como livro de cabeceira por cerca de 10 anos. “Sagarana vinha logo depois. Sua literatura é realista, mas realista fantástica. Tem coisas e personagens que de fato acontecem no sertão. Quando a Fundação Clóvis Salgado me chamou para criar Matraga, eu já tinha o texto na ponta da língua e dois objetivos: promover a literatura de João Guimarães Rosa e trazer a obra para um estilo de composição do século XX. Vivi esses personagens, quando morei na Bahia. Essa intimidade me levou a tratar dos temas que ele aborda. Uma das forças da natureza da ópera é a violência de Matraga”.
O sertão de João Guimarães Rosa, de Minas Gerais, não é o sertão de Jorge Amado, Glauber Rocha e da Bahia. Não é o Velho Oeste de Clint Eastwood e dos Estados Unidos. É a terra de coronéis, cangaceiros, sertanejos, justiceiros e pistoleiros, no dilema entre o livre-arbítrio e o determinismo, na infinita luta do bem contra o mal e suas consequências, ainda mais violentas e injustas. Nhô Augusto se redime da violência, não como o Alex, no filme Laranja Mecânica, depois de passar, quimicamente, por um tratamento, uma terapia de aversão à violência; mas pelo desespero da eternidade.
O sertão da ópera Matraga não é o sertão de Antônio Conselheiro. É personagem como a terra, o homem e a luta, em Os Sertões, de Euclides da Cunha. A terra é música, cenário e protagonista, como são a luta e o homem.
Para a diretora, Rita Clemente, “quando dizemos que esta obra cênica é composta por drama e lirismo; quando reforçamos que é um teatro musicado, ou que é um espetáculo Teatral para orquestra, ballet, canto e coral, estamos afirmando que, com todos estes pressupostos, trata-se de Ópera. Ópera em seu sentido mais arquetípico e menos corriqueiro. A genealogia deste gênero teatral, a Ópera, não nos deixaria mentir. Temos aqui um modo muito especial de fazer uma Ópera. Posto isto e, contraditoriamente, afirmo que temos, acima de tudo, Teatro, sim, com “T” maiúsculo. Não existe apenas um modo de se fazer óperas. Há muitas maneiras e algumas sequer conhecemos. O que oferecemos aqui não é uma nova maneira. É um diferente modo. Matraga comemora a mineiridade”.
Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes no sertão: a violência e a crença. E uma inconstante, a redenção do crime, com castigo, penitência, perdão e destino, através do catolicismo popular: “reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa mais a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria… Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.
“E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi”. Matraga é onde os fracos não têm vez e mesmo os fortes têm hora e vez.
Equipe
Direção Musical: Ligia Amadio
Regência: Ligia Amadio nos dias 25, 27 e 29 de outubro
André Brant no dia 28 de outubro
Concepção e Direção Cênica: Rita Clemente
Cenografia: Miriam Menezes
Figurinos: Sayonara Lopes
Iluminação: Danilo Manzi
Direção Coreográfica: Alex Soares
Preparação do Coral Lírico: Hernán Sánchez
Direção Geral: Cláudia Malta
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais
Coral Lírico de Minas Gerais
Cia. de Dança Palácio das Artes
ELENCO – MATRAGA, DA OBRA DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
Leonardo Fernandes (Ator): Augusto Matraga
Gilson de Barros (Ator): Narrador
Edineia Oliveira (Mezzosoprano): Mãe Quitéria
Edna d’ Oliveira (Soprano): Dionóra
Geilson Santos (Tenor): Quim (recadeiro de Matraga) e Cantador
Flávio Leite (Tenor): Joãozinho Bem-Bem (Chefe dos Jagunços)
Cristiano Rocha (Baixo): Ovídio (amante de Dionóra)
Guilherme Théo (Ator): Tião da Tereza (Boiadeiro)
Ivan Sodré (Bailarino): Major Consilva
Luciano Luppi (Ator): Padre e Ancião
Chico Lobo: Violeiro
Bailarinas Eliatrice Gischewski e Maíra Campos: Mimita
Bailarina Isadora Brandão: Sariema
Fotos: Guto Muniz
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